O coordenador deste portal, atento a que a civilização ocidental é cristã e a que o catolicismo e as religiões cristãs são hegemônicas no Brasil, tendo estudado nos seminários de São Ludgero, Tubarão e Curitiba, esclarece um acrônimo célebre: o INRI que aparece nos crucifixos. Não foi este o letreiro que o então governador da Judeia, Pôncio Pilatos, no Século I, mandou afixar na cruz do Senhor. Veja por quê. Boa leitura!

Deonísio da Silva (*)

O Império Romano mandava escrever na cruz dos condenados o nome do réu e o motivo da pena de morte. No caso de Jesus, a tradição sempre informou que a explicação estava resumida no acrônimo INRI, como vemos nos crucifixos. Mas o Evangelho de São João 19,19 informa que a frase foi colocada completa, sem abreviação ou acrônimo algum: “Pilatos mandou escrever e colocar na cruz esta inscrição: Jesus, Nazareno, Rei dos Judeus”. “Estava escrita em hebraico, em latim e em grego”.

Narrações históricas e lendárias informam que Santa Helena, mãe de Constantino, o imperador que no século IV tornou o cristianismo a religião oficial do império romano, liderou a expedição que encontrou a cruz em que Jesus foi crucificado, repartiu-a em três partes, mandando um pedaço para cada uma das três igrejas construídas especialmente para guardar o precioso tesouro: em Jerusalém, em Roma e em Constantinopla.

Erros de tradução contribuíram para que essa história fosse dada como invenção, mas “inventio” em latim significa descoberta. Então, ela não inventou essa história, ela descobriu a cruz, os pregos e a tabuleta nas escavações que mandou fazer no monte que em hebraico era chamado “Gólgotha”, em aramaico “Gûlgaltâ”, em grego “Kraniou Topos” e em latim “Calvarium”. Nas quatro línguas, o significado era o mesmo: lugar das caveiras.

Era naquela pequena elevação, nos arredores de Jerusalém, que os condenados à morte eram crucificados. Os romanos chamavam a tabuleta de “titulus”, cujo significado é título, inscrição. E o que ali estava escrito era chamado “elogium”, que no português “elogio” conservou apenas um significado positivo. Em latim designa identificação, podendo ser de nobreza ou não. Era semelhante ao grego “epitáhion”, “epitaphium” em latim e “epitáfio” em português.

Em túmulos antigos, o epitáfio trazia versos enaltecendo as virtudes de quem ali estava enterrado, mas às vezes eram versos satíricos que debochavam de alguma característica ou defeito do falecido. Os romanos enterravam ou incineravam os mortos, dando origem à palavra busto, de “bustum”, queimado, do mesmo étimo de combustão. Isto porque, no lugar em que o morto era incinerado, erguia-se um pedestal sobre o qual eram afixadas representações de sua cabeça e do tórax esculpidas em bronze.

Há outras curiosidades no “elogium”, a escrita do “titulus”, a tabuleta posta na cruz do Senhor. Como em hebraico a frase é escrita da direita para a esquerda, o copista, a mando de Pilatos, escreveu as traduções em grego e em latim, também da direita para a esquerda, mas nessas duas línguas, como em português, é da esquerda para a direita que se escreve. Pilatos exigiu também que a frase latina ficasse perto da cabeça do condenado. Assim, a hebraica ficou no alto, e a grega ficou entre as duas.

A Palestina, palco dos trágicos eventos, era então poliglota. No comércio, usava-se o grego. Nos documentos, predominava o latim. No templo, o hebraico. E na vida quotidiana, o aramaico, língua em que Jesus ensinava aos seus contemporâneos e na qual provavelmente foi escrito o Evangelho de Mateus, sendo em grego a primeira edição dos outros três evangelhos canônicos, depois traduzidos para o latim e dali para línguas do mundo inteiro, que tomaram por base as versões latina e grega.

E estes são apenas alguns dos muitos detalhes desta fascinante história observados à luz do que nos disseram as palavras naqueles dias de tantas trevas.

(*) Professor, escritor e editor. Veja seus livros em www.almedina.com.br