A suntuosa obra de Lélia Pereira Nunes: Caminhos do divino: um olhar sobre a Festa do Espírito Santo em Santa Catarina instiga o leitor a prosseguir, e após a leitura a indagar os motivos de tanto esmero; Lélia escreve como quem tece enfeitando, como quem borda para concluir em crochê, assim as toalhas de mesa: dobra, beija e abraça.

Acadêmica Lélia Pereira Nunes fala sobre patrimônio cultural durante colóquio internacional nos Açores. Lélia é uma das maiores estudiosas da cultura açoriana no Brasil.

José Isaac Pilati

Cadeira n. 14

A suntuosa obra de Lélia Pereira Nunes, Caminhos do divino: um olhar sobre a Festa do Espírito Santo em Santa Catarina, instiga o leitor a prosseguir, e após a leitura a indagar os motivos de tanto esmero; Lélia escreve como quem tece enfeitando, como quem borda para concluir em crochê, assim as toalhas de mesa: dobra, beija e abraça. Como quem materializa a própria crença e reza no final, entre as alfaias e os ritos do próprio templo – dura e prazerosamente construído. É daquelas grandezas elaboradas em minúcia, à base de tempo e perseverança, amor e virtude: qual religião.

Dificilmente se vê uma obra assim, com tamanha pesquisa e tanta fé; casada com o tema ao ponto da devoção; que é antes de tudo alma açoriana encarnada no Estado barriga-verde, nos municípios, na Ilha de Santa Catarina; que volve à origem como hino de cores e de saudade do Arquipélago de onde tudo proveio. É achar a razão de viver. Lélia Nunes realiza-se, pois, revelação; algo fluido e presente, pátria e religião: brasileira catarinense à luz de cultura; de crença que irmana, guarda e governa, à mirada de quase três séculos de fé e de pertencimento açoriano a terra.

Tubaronenses, Lélia e Willy Zumblick formam um par de monarcas do Divino; são dele as imagens de capa, contracapa e outros quadros pertinentes; junto a outras obras da arte catarinense, alusivas ao tema. E no conjunto, então, é o texto escorreito, bem estruturado, e a ilustração luxuosa a encher os olhos, com fotos e reproduções de letras, alfaias e personagens, a consagrar um trabalho definitivo, completo em seu tempo: como se nossas coisas nacionais multiplicassem por três a Santíssima Trindade, e nas nove ilhas, in corpore sano et sancto encarnasse, na unidade, o Espírito Santo.

Aristóteles refere o tipo de sentimento que se revela na açorianidade de Lélia Nunes: a mútua philēsis. Aquele afeto ou amor ou gosto que se manifesta no desejo e na realização de coisas boas entre si, pelo bem de cada um, e não apenas do próprio. A amizade entre os pais e os filhos, entre os irmãos; entre marido e mulher, entre o homem mais velho e o jovem, entre o soberano e os súditos, entre os vizinhos, entre os literatos de uma academia. Em suma, é a mesma solidariedade e resiliência que a natureza revela na vida. Na verdade, não é só a arte que imita a vida. Também as religiões e o sentimento de nação.