A entidade emitiu nota de falecimento e o professor Celestino Sachet, um dos mais antigos membros da Academia Catarinense de Letras, prestou uma homenagem ao amigo e confrade José Curi, em texto que reproduzimos a seguir:

“A um fraterno intelectual

Carta a um fraterno amigo, plantado em novo espaço e em novo tempo para onde vamos todos os viventes que desembarcaram entre nós. Do amigo, agora plantado, para sempre, em sua nova realidade, recebi o exemplo de amor e dedicação às letras e à cultura catarinense animada com a amorável competência, em especial a partir de 18 de abril de 1968, data em que assumiu a Cadeira 18 da Academia Catarinense de Letras.

José Curi cultivou seu compromisso estético-literário com o sorriso estampado nos lábios, tonando agradável seu trabalho não só de divulgar a cultura das letras catarinenses, mas e principalmente torná-la fraterna pelo maior número de cultivadores da saborosa atividade.

José Curi estará sempre entre os catarinenses orgulhosos de assumirem e de cultivarem tão importante compromisso.

Celestino Sachet, Cadeira 15”

Na nota de falecimento publicada pela ACL, a entidade ressalta a grande contribuição do acadêmico e professor José Curi, nascido em Rio dos Cedros (15 de agosto de 1931), no campo da Linguística. Leia a nota:

NOTA DE FALECIMENTO – ACADÊMICO JOSÉ CURI

A Academia Catarinense de Letras comunica, com profundo pesar, o falecimento do professor, escritor e acadêmico José Curi, ocorrido no dia 29 de abril, em Florianópolis.

Formado em Filosofia, Doutor em Letras e Livre-Docente em Linguística, deixa um excepcional legado de excelentes serviços prestados no magistério superior de Santa Catarina, na formação de novas gerações nas últimas décadas e de uma rica contribuição à literatura estadual e nacional.

A Academia transmite seus sentimentos a todos os familiares e amigos, ao tempo em que informa que o velório ocorrerá neste sábado, dia 30 de abril, no Jardim da Paz.

Titular da cadeira 18, o escritor José Curi era um acadêmico agregador, colaborativo, estudioso e, sobretudo, um extraordinário ser humano.

Florianópolis, 29 de abril de 2022.

A DIRETORIA

Professor José Curi

Também o jornalista Moacir Pereira registrou, na sua coluna no jornal ND, de Florianópolis, a bela cerimônia de despedida ao grande mestre. Sob o título “Professor José Curi: a emocionante despedida de um mestre e amigo exemplar”, o jornalista, atual presidente da ACL, informou:

“O corpo do acadêmico José Curi foi cremado hoje, após solenidade religiosa no Jardim da Paz. Depois da celebração religiosa, professores, intelectuais, familiares e amigos despediram-se do professor José Curi, titular da cadeira 18 da Academia Catarinense de Letras, que faleceu ontem em Florianópolis. Lá estiveram professores da UFSC, membros da Academia, ex-alunos e grande número de amigos e familiares. O professor José Curi foi uma das expressões da literatura catarinense. Conhecia muito de italiano, doutorou-se em linguística e tinha livre docência em letras. Era um professor que sabia cativar alunos, amigos e interlocutores em todos os auditórios. Portador de qualidades e virtudes que engrandecem o ser humano, era generoso com todos. Tinha o hábito de homenagear os mais próximos com uma afetuosa expressão: caríssimo.

“No trabalho ou nos encontros fortuitos era raro encontrá-lo de cara feia. Sempre receptivo, esbanjada um largo sorriso, como quem acolhe um semelhante de peito e coração abertos para uma boa prosa. Sua última contribuição literária foi a tradução de um maravilhoso poema, escrito em italiano, e traduzido recentemente para o português, que enriquece o livro O Mestre-Escola, do professor Norberto Dallabrida (Udesc), conterrâneo de Rio dos Cedros.

“A obra, da editora Dois Por Quatro, de Florianópolis, contém “retalhos da vida de Giovanni Trentini em Rio dos Cedros. A contracapa traz um comentário elogioso sobre o conteúdo do livro e a importância do resgate da história dos primeiros imigrantes italianos que povoaram Rio dos Cedros, sobretudo, sobre a educação de seus filhos”.

Livro de Dallabrida: última contribuição literária de Curi – Foto: Dois Por Quatro Editora

A seguir, o poema de autoria do professor José Curi, reproduzido no livro O mestre-escola:

Fica conosco aqui (*)

Ontem passei por lá. Faz mais de quarenta anos

Que não voltava ao lugar onde nasci.

Entrei na estrada da tifa a sessenta por hora.

Que vontade de chegar!… E dos pés de tangerinas

os fantasmas pueris ainda reconheceram

o Bepin que caçava, o Bepin que ria:

— Freia um pouco, me disseram, os passarinhos ainda cantam;

aqui pode chupar tangerinas.

Que ainda é cedo, o sol ainda está quente.

A estrada ainda é aqui e a conheces bem.

Os passarinhos se esqueceram daquelas pelotas,

do estilingue, do bodoque e também da arapuca.

Fizeram seus ninhos e tiveram seus filhotes.

E a vida continua cheia de canto e amor!

 

— Fantasmas divinos, me trazeis à mente

recordações dos amigos não mais encontrados!

Eu queria queimar os freios da vida

e ficar sempre com vocês, mas deixai-me ir,

o Bepin que estais vendo não é mais um moleque

o bodoque quebrou e o estilingue foi jogado fora.

O Bepin é doutor com rugas na testa,

escreve nos jornais e escreve livros de tédio

e agora não pode atirar pedrinha alguma.

Importante, saibam, o Bepin voltou.

E esqueceu o Bepin que caçava

e agora causa pena, pena, pena!

 

Quase um resmungo baixinho no meio das lágrimas

se ouvia entre os galhos parecendo um canto fúnebre:

— Ele porém volta ao ninho de aventura

e traz na testa rugas miseráveis.

Temos piedade do Bepin de outro tempo,

com remorso e o coração arruinado.

 

Se agora queres ir à tua casa

pode esquecer. Com a morte da mãe

nada restou. Demoliram a casa.

Fica aqui conosco e fala do teu sucesso.

 

— Não posso, respondi, a pedra grande e esverdeada

na frente da varanda que o vovô colocou

ainda está lá. A bica ainda corre

perto da cerca e não secou.

Um fio de cabelo de recordação da mamãe

estava escondido debaixo do fogão.

Deixe-me ir, por favor.

— Mas a canção morreu e as flores não se vê mais,

e o mato cresceu e engoliu o jardim.

As cobras dormem onde estava o forno.

Um pedaço da chaminé é um ninho de ratos.

O pequeno fruto secou, e no meio dos espinhos

as aranhas brigam para se aquecer ao sol.

O fogão arruinado e os fios de cabelo da mãe

levados embora. Se procurais a saudade,

creio que ela se esconde num vermelho e grande coração

das altas bananeiras cujas folhas ao vento

dizem tchau. Fica, Bepin!

Fica conosco aqui.

(*) CURI, J. Resta quà com noaltri. In: ______. Resta Quà Com Noaltri (in dialeto). Florianópolis: Editora da UFSC, 1987. p. 13-4. Tradução de José Curi.

Dados biográficos:

José Curi estudou com os Salesianos de Ascurra (SC), Lavrinhas, Pindamonhangaba, Lorena (SP). Era formado em Letras Neolatinas (bacharel e licenciado) e em Filosofia (bacharel). Pós-graduado em Linguística, doutor em Letras e Livre Docente em Linguística. Professor da UFSC (Filologia Românica), aposentado. Além da Academia Catarinense de Letras, pertencia à Academia Catarinense de Filosofia e ao Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. Era académicien correspondant da Academia Belles-Lettres, Sciences et Arts de La Rochelle, França. Poliglota, falava e escrevia em várias línguas.

Algumas obras ligadas à cultura italiana:

Raconti de Rio Cedro (1984)

Resta Quà Con Noaltri (1987)

Da Terra da Cucanha (2007)

El Talian – A Língua dos Imigrantes Italianos de Santa Catarina (2009)

Curso de Italiano para Brasileiros (didático – 4. edição, 2001)

(com informações do Circolo Trentino de Rio dos Cedros)