Baudelaire encaminhou o Spleen de Paris a Arsène Houssaye, dizendo que os pequenos poemas sem rima e sem ritmo, era obra: sem pé nem cabeça, uma vez que tudo nela é, ao mesmo tempo, pé e cabeça, alternada e reciprocamente. Em Miro Morais observa-se o mesmo instinto: de orquestra, de coral, de unidade. É lirismo em reflexão, mas assim, como ouvir a beleza de cada canto ou instrumento em separado e no final, de surpresa, a beleza arrebatante do todo. O fio da tessitura é uma dor, que desmaia em melancolia e conclui nas aleluias da transformação e do renascimento.
Diz-me o livro: A razão me levou a abandonar a tragédia coletiva, a massificação do sofrimento inútil (p. 24). Refugiar-me na vida simples de pescadores e deparar-me com a utopia de um grande peixe ou de uma histórica pescaria na pesada rede de tucum, tão grande que exige todos os braços e mais para lançá-la. É esta a realização coletiva? A de Nietzsche resumia-se aos livros, a viajar pelo mundo. Ora, cada leitor que entoe o seu próprio canto, conforme as suas próprias cartas; pois, enfim, o mundo é o mesmo, e entre a dor e a superação estão todas as possibilidades.
Enfim, saí do extraordinário livro de Miro Morais como quem sai de uma sala de espetáculo, mas com uma certeza a mais em conclusão: de que se trata de uma obra-prima, inovadora na forma e universal no conteúdo. E a minha dor pessoal, no caso e ao cabo, está a debater-se na rede das possibilidades: de um lado a certeza de que se um dia a humanidade chegar à felicidade coletiva, não duraria: nova dor, nova melancolia; e daí, a lição da viúva do Joca: secar as lágrimas, reorganizar, partir para o recomeço, sob a luz e o calor de uma nova esperança. Eia pois, um viva às mulheres.