As primeiras linhas evocaram-me a visita de anos atrás, com a família e amigos, aos Pubs da Grande Praça de Bruxelas, cujos nomes debocham dos medos humanos capitais.
José Isaac Pilati
Cadeira 14 da ACL
A Colônia de Sombras de Péricles Prade está ambientada na aprazível Coleção dos Atemporais de Rafael Copetti Editor. As primeiras linhas evocaram-me a visita de anos atrás, com a família e amigos, aos Pubs da Grande Praça de Bruxelas, cujos nomes debocham dos medos humanos capitais: A la Mort Subite, Delirium Tremens e, particularmente, o Athaude, em que a mesa é um caixão, a caneca um crâneo, tudo à luz de velas com música fúnebre. E a cerveja de Bruxelas, das melhores do mundo, logo me voltou à cabeça ante o texto de Péricles: um artefato seguro de pescar monstros deliciosos na lagoa escura dos medos humanos.
No plano físico, o próprio livro é editado como que em versão de bar e de humor, como no Athaude. Passa-se por páginas pretas, como cortinas fúnebres, à entrada e à saída, como que a revestir o leitor para provocar suas abelhas africanas, ou najas ou ratazanas de masmorras – os monstros da loucura. E assim, os textos são canecas espumantes do mais refinado nonsense. Curtos, quase poemas no sentido de trajarem, propriamente, roupa de encomenda para ocasião especial, onírica. Como diz Fernando Pessoa, essas formas sem formas que passam, a tristeza fosse árvore, e caíssem-lhe as folhas entre o vestígio e a bruma.
À citação (questão) de Hume, no pórtico, de que nada que imaginamos é impossível, responde o posfácio de Dirce Waltrick do Amarante. Na literatura universal há casos de homens que perderam a sombra e narram o Mito da Caverna de Platão às avessas. A literatura é como a natureza, cria monstros de verdade, que voam, ou nadam, entram pela janela como as baratas. Porque, enfim, cada era inventa impune as suas crenças, as suas verdades e as suas negações. Gregos e romanos não sabiam da América, nem do inconsciente, nem de Galilei. Um juiz de nome Clemente não queimou Giordano Bruno? Mesmo assim houve humanismo.
Péricles Prade, na verdade, honra a Academia Catarinense de Letras com sua escrita feita nos birros, com fios de erudição e domínio da vida, como as rendeiras da Lagoa da Conceição. Seu texto tem a velocidade da época, e o conteúdo, o descortino da complexidade, sem correr para o abrigo do que dizem os outros; e na forma, a desenvoltura na criatividade. Assim, no macaco multiplicado por 11, por exemplo, a imaginação rompe os grilhões; em Vulva lunar ele ri sob a roupagem da ficção científica; em Gênios falantes, da própria ciência. Em Colônia de sombras todas se reúnem, e ele encontra, na própria solidão, a paz da obra de arte.