Maria Tereza de Queiroz Piacentini, autora de referência na arte de escrever corretamente e atual vice-presidente da Academia Catarinense de Letras, acaba de publicar em parceria de Simone Hering de Queiroz Yunes um livro pertinente e exemplar de um modo de formação da mulher catarinense entre certos estamentos no século XX, marcado por atenção à cultura geral, ao conhecimento de mais duas ou três línguas, e tudo isso no ensino médio.

Maria Tereza de Queiroz Piacentini é conhecida dos catarinenses e ministrou aulas num projeto nacional coordenado por Deonísio da Silva na primeira década deste século, consistindo em pequenas inserções de especialistas em língua portuguesa levadas a milhares de alunos pelo sistema de educação à distância ministrado a partir do Rio de Janeiro para todo o Brasil.

Por indicação do acadêmico e ex-presidente de nossa Academia, Salomão Ribas Júnior, quando então deputado constituinte e presidente da Comissão de Sistematização, Maria Tereza fez a revisão da Constituição do Estado de Santa Catarina, na qual estavam também o hoje ministro aposentado do STJ, Paulo Gallotti, e Flavio Collaço, ex-secretário de estado. Segue a resenha:

LIVRO A DEGUSTAR

Deonísio da Silva (*)

Quando somamos o verbo devorar ao ato de ler? Quando a leitura nos dá tanto prazer que é como se degustássemos um bom prato, um “plato fuerte”, como se diz em espanhol, e uma guloseima de sobremesa, com um vinho capitoso, um aperitivo antes e algumas entradinhas também. Depois um café, um licor, e sempre a boa companhia.

Autores proporcionam boa companhia. Senão eles, os livros que escrevem.

Maria Tereza de Queiroz Piacentini e Simone Hering de Queiroz Yunes são as organizadoras deste livro delicioso, publicado pela Editora Bonijuris, de Curitiba, com tiragem inicial de 1.500 exemplares.

Os sabores do livro estão nas receitas, no memorial eminentemente feminino da referência solar da narrativa, essa mulher de extraordinária sensibilidade que foi Dulce Fernandes de Queiroz. Ela teria completado 102 anos em 2021. Poderia estar entre nós, pois aqui no Rio vivem centenas – senão milhares – de pessoas que ultrapassaram o centenário e têm boa qualidade de vida em bairros referenciais.

A Bonijuris sempre lança bons livros e este é imperdível. Provavelmente receberá prêmios importantes e sobretudo muitos leitores.

Em meu entender, deveria ser publicado também em Portugal por alguns motivos óbvios: a notória presença lusófona nos sobrenomes, nas memórias e na culinária aqui celebrados.

Há ainda também a sutil, mas indelével presença alemã, especialmente em sobrenomes ocultos e a necessária disciplina na arte de ensinar e aprender, benfazeja herança de indicadores europeus na educação e na cultura catarinenses.

O livro dá breves clarões sobre sentimentos, pessoas e situações dignas de lembrança e conservação, até mesmo pelo modelo feminino então proposto: da mulher que concilia seus cuidados de beleza e apresentação pessoal, integrando-os à família, ambiente em que pontifica como exemplo a ser seguido pelas filhas, especialmente no cuidado da casa e na educação permanente por meio dos livros.

Aos 60 anos, Dulce Fernandes de Queiroz, que recitava poemas e trechos de livros que sabia de cor, estudava grego. Ela queria ler Homero no original, depois de ter lido obras em francês, disciplina que ensinava no Colégio Cristo Rei.

Uma das alunas era a filha, uma das autoras deste livro, Maria Tereza de Queiroz Piacentini. O Piacentini é do marido, sobrenome italiano vindo de Siderópolis (SC).

Era um tempo em que um sólido ensino médio realmente preparava para a universidade e em parte profissionalizava aqueles que não queriam ou não podiam prosseguir os estudos. O Brasil não estava então entre os últimos lugares nos indicadores da educação, como está há três décadas.

Aliás, lembre-se a propósito, que a partilha de conhecimentos gerais aumentou muito depois da Internet e das redes sociais, todavia sem filtro algum, tornando-se por isso terreno minado onde pretensiosos ou “loucos de todo gênero”, na definição do antigo código penal, apresentam como se fosse bom exemplo a brutalidade do que ignoram, obtendo entre incautos numerosos rebanhos de bobos completos, bobos integrais.

Mas sempre é possível, como nas minas, garimpar ouro do bom no cascalho geral.

Desejo que este livro chegue a muitos leitores, que os há, e interessados numa comovente história familiar.

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(*) Professor e escritor, da Academia das Ciências de Lisboa, é Doutor em Letras pela USP, autor de “Avante, soldados: para trás”, entre outros 35 livros.