Temos a honra de editar e publicar o discurso de Salomão Ribas Júnior, ex-presidente da Academia Catarinense de Letras, a quem coube receber e saudar nosso novo confrade, Umberto Grillo, no dia 30 de outubro de 2021.
Doutor em Direito pela prestigiosa Universidade de Salamanca, homem público de vasta experiência política, o orador soube aproveitar o ensejo para fazer brotar a memória e trazer para exame um contexto cultural de que os dois são testemunhas presenciais, o que pode ser comprovado tanto por atuais acadêmicos quanto por alguns que já partiram para a eternidade.
Umberto Grillo fazia por merecer esta vaga, o que somente não ocorreu antes por vicissitudes próprias a essas demoras, enfim corrigidas pela atual direção da ACL, graças à modernização do processo eletivo. Vale a pena ler esta saudação. (Deonísio da Silva)
A seguir, o discurso do ex-presidente da ACL, Salomão Ribas Junior, Cadeira 38, na recepção ao acadêmico Umberto Grillo, proferido na sede da Academia, em Florianópolis, dia 30 de novembro de 2021
É uma enorme honra atender ao generoso convite para falar em nome da Academia Catarinense de Letras, no momento em que nos reunimos solenemente para recepcionar o novo Acadêmico Umberto Grillo.
Além dessa distinção, que agradeço, confesso-lhes que me vejo envolvido por algumas coincidências.
Aqui mesmo, nessas salas, tempos depois que abrigaram os primeiros cursos de nível superior catarinenses, no Instituto Politécnico, na década de 20 do século passado, frequentei aulas em outra academia, a Academia do Comércio de Santa Catarina, onde conclui o curso de técnico em contabilidade.
Aqui tive sábias lições sobre a correção da língua falada, mesmo em tom coloquial, com as aulas da Acadêmica Silvia Amélia Carneiro da Cunha, a nossa Secretária Geral Perpétua. O mesmo aprendizado me foi proporcionado pelo Acadêmico Gustavo Neves, inesquecível professor de português.
De outro lado, o calendário de efemérides da Academia, elaborado com esmero e constância pelo confrade Acadêmico Jali Meirinho com o auxílio da Acadêmica Maria Tereza Piacentini, marca outra coincidência para esse mês de novembro: a minha posse, há 28 anos, na Cadeira 38, sucedendo com honra singular Maura de Senna Pereira. Fui recepcionado com generoso discurso do Acadêmico Antonio Carlos Konder Reis, último ocupante da Cadeira 22, que em breves instantes será ocupada por Umberto Grillo. A propósito, ainda de acordo com o calendário de efemérides, em novembro, temos a passagem dos 40 anos da eleição de Konder Reis para esta mesma academia.
Os outros ocupantes da Cadeira 22, como sabemos, foram Nereu Ramos, D. Joaquim Domingos de Oliveira e Luiz Gallotti. Tinham todos algumas coisas em comum, a começar pelo dom da palavra e o uso da oratória como instrumento de trabalho. São, sem dúvidas, personagens da história política e religiosa de Santa Catarina e do Brasil. Todos foram líderes e governantes em seu tempo. Governaram o nosso Estado, Nereu, Gallotti e Konder Reis. Governou a Igreja, em Santa Catarina, por longo tempo, D. Joaquim. Nereu foi Presidente da República.
Nenhum deles escreveu obras de ficção, contos, romances ou poesias, mas a beleza dos seus discursos – sermões no caso de D. Joaquim – a eloquência, o poder de persuasão, a ordem das ideias, são de valor literário incontestáveis. Superam rimas e enredos que muitos creem serem os únicos ingredientes para textos que permitam o acesso à Academia.
Poderia dizer muito mais da minha admiração e respeito por esses notáveis confrades, mas isso será feito em seguida, de acordo com a tradição, pelo novo acadêmico. Digo-lhes, apenas, que estou escrevendo um opúsculo, destinado aos jovens, que tem o título provisório de “Cadeira 22”. A mim, hoje, cabe saudar o que chega, embora creia que outro confrade faria melhor, pois sou o primeiro a reconhecer minha frágil bagagem literária e cultural. Escrevi pouco, publiquei menos ainda e ando à caça de leitores. Comecei pensando em centenas, talvez milhares, mas hoje, no “crepúsculo da existência”, tenho aspirações bem mais modestas. Talvez uns vinte e cinco leitores, como o meu querido amigo e confrade Flávio Cardozo disse-me ser um bom número. Ou meia dúzia, como Bertrand Russel teria dito em entrevista a Paulo Francis. Entrevista secreta, diga-se de passagem. Paulo Francis sempre afirmou que ela ocorreu e citava passagens do que Bertrand Russel teria dito a ele. Como essa entrevista não está publicada em lugar algum, é tida como secreta.
Meu caro amigo Umberto Grillo, sua exitosa vida de jurista e professor já seria suficiente para tê-lo como acadêmico. Afinal, não são muitos os que, depois de uma longa preparação escolar, ingressam no disputado cargo de Juiz do Trabalho. São menos ainda os que são promovidos ao cargo de Desembargador da Justiça do Trabalho do Brasil. E pouquíssimos os que são convocados, por seus méritos, para atuar como Ministros do Superior Tribunal do Trabalho (TST). O caro conterrâneo deu todos esses passos. E mais ainda, foi Presidente do Tribunal Regional do Trabalho (12ª Região).
A Justiça do Trabalho requer de seus integrantes dedicação plena, conhecimento e sensibilidade, o que Umberto Grillo sempre demonstrou em suas decisões, sentenças e votos. É um magistrado respeitado. Não por outra razão é membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, onde ocupa a Cadeira que tem como patrono justamente o Ministro Luiz Gallotti, penúltimo titular da Cadeira 22 da ACL, que hoje passa a ocupar.
Além dessa academia, nosso novo confrade também traz a experiência de membro da Academia Catarinense de Letras Jurídicas, na Cadeira que tem como patrono Othon Gama D’Eça, seu biografado e o primeiro catarinense a falar em uma academia de letras em nosso Estado ao redor de 1912.
Ocupou ainda o cargo de Procurador Geral do Estado e Juiz do Tribunal Regional Eleitoral na vaga destinada aos advogados.
Mestre em Direito pela UFSC, foi seu professor de Direito do Trabalho até aposentar-se. Lecionou na ESAG (UDESC), Instituições de Direito Público e Instituições de Direito Social.
Para coroar essa brilhante carreira no magistério superior, é Doutor Honoris Causa do CESUSC.
Finalmente, publicou “Alteração do Contrato de Trabalho”, livro que é sem dúvida referência até os dias de hoje.
Depois, começou a avançar em outros terrenos com “Viagem Interrompida”, que é um romance. Não satisfeito em cuidar de romances, resolveu aproximar-se do campo de trabalho de Moacir Pereira escrevendo “Os Múltiplos Talentos de Othon Gama D’Eça”, uma biografia. E também, recentemente, “O Tempo e Galope”, crônicas. São gêneros diferentes, muito diferentes. Há aqueles que imaginam que o conto é um pedaço de um romance, que o romance é um conto ampliado e que a crônica é um pedaço do ensaio. Mas não é isso. Cada gênero tem as suas peculiaridades, tem os seus desígnios, tem a sua presença no tempo e no espaço. Umberto Grillo tem enfrentado um grande desafio, saltando de um gênero para o outro. Mas o faz com muito êxito, o que nos deixa muito felizes em poder tê-lo como nosso confrade.
Essas publicações fazem-no um escritor acadêmico pelo estilo, correção do vocabulário e, acima de tudo, respeito ao vernáculo.
Falei do prédio, mas não foi só para falar da minha passagem aqui na juventude, foi para tocar num ponto que será, Umberto Grillo, um dos desafios que você irá enfrentar na nossa academia. É a questão da restauração deste prédio. É um prédio histórico, aqui funcionaram os primeiros cursos de nível superior de Santa Catarina. Ecoaram, nessas salas, vozes de incontáveis personagens da nossa história, como Gama D’Eça, José Boiteux, enfim, a lista é interminável. Isso faz parte da história de Santa Catarina. Mas os governos, em geral, não são muito sensíveis a preservação da história e nem ao apoio aos órgãos culturais.
A nossa academia tem, desde a Constituinte de 1989, assegurado o direito à assistência técnica e financeira pelo Estado. Este dispositivo, embora de natureza constitucional, não tem sido cumprido. Nós estamos chegando ao fim de dezembro e os recursos necessários para a manutenção da Academia e para o financiamento de alguns projetos culturais ainda não foram liberados. É um desafio. E você chega convocado para ajudar Moacir Pereira e a atual diretoria nessa luta.
Além disso, gostaria de lhe dizer que a nossa Academia é uma entidade que vive no limite da pobreza. Ela se mantém com as parcas contribuições dos seus membros, que às vezes tem de responder para os leigos que não há remuneração na Academia. Costumam perguntar: quanto ganha um membro da Academia Brasileira de Letras ou da Catarinense? Não ganha nada além do prazer de contribuir para a preservação da língua portuguesa e da nossa memória cultural. Mas, escrever e publicar livros nunca fez a fortuna de ninguém, somos todos aqueles ditos imortais aos quais alguém já se referiu como sendo imortais porque não tem onde cair duro. É verdade, não é também aquele lugarzinho tranquilo, onde os velhinhos se reúnem para tomar chazinho e falar mal da vida alheia. Falamos, falamos mal da vida alheia, claro, senão, não teria a menor graça uma reunião. Mas não é só isso. É um lugar de luta, não é um lugar de paz, aqui entre nós a paz está lá naquele lugar para onde nenhum de nós quer ir. Aqui a coisa é efervescente, temos reuniões que se alguém comparar a um ringue de luta verbal, não estará longe da realidade. Mas ninguém feriu ninguém, fisicamente eu quero dizer, e nem ameaçou de morte, mas é um lugar de debate. Muito debate. E é bom que seja assim.
A academia na qual você ingressa é muito diferente daquela em que viveram Nereu, D. Joaquim, Luiz Gallotti e Konder Reis. Muito diferente. Vivemos novos tempos, o mundo é outro, vivemos um novo mundo e nesse novo mundo a Academia chegou aos seus 100 anos.
Começa o seu segundo centenário com alguns esforços de inovação, é bom que se reafirme isso. Moacir Pereira tem liderado um mergulho da Academia na era da informática. Não é fácil, muitos de nós temos pouca afeição a essas novas tecnologias e algumas dificuldades para operá-las. Mas estamos caminhando para tornar a nossa Academia participante desse mundo novo.
Quando falo no mundo novo lembro da nova língua, e esse é outro perigo.
Nós temos um desafio enorme, nós estamos perdendo a luta pela preservação do vernáculo, pela preservação da nossa querida última flor do lácio, inculta e bela. A linguagem que se fala, sobretudo entre os jovens, é uma nova língua. Está sendo muito difícil conseguirmos manter aquilo que é o objetivo da Academia, que nós prometemos buscar, quando nos propusemos a fazer parte dela.
Temos uma programação para este ano, recuperando a memória de muitos antigos membros da Academia e escritores catarinenses, que se desenvolvendo ao longo do ano, poderá nos ajudar.
As comemorações relativas ao nosso centenário ficaram prejudicadas. Também nós fomos vítimas da pandemia, que seguramente levou, pelo menos, de certeza, um dos nossos confrades, meu velho e querido amigo João Nicolau Carvalho. Além disso, nos conteve, nos reteve, nos deixou todos distantes. Pinheiro Neto esforçou-se para fazer o que era possível dentro de uma programação pré-aprovada. E realmente foi feito o possível, mas esse possível foi muito pouco para a grandeza de um centenário da nossa ACL.
Agora há uma programação para 2022 com alguns daqueles eventos que não foram realizados. É um esforço para recuperar o tempo perdido.
Assim é uma Academia que pretende se renovar que o recebe com muita alegria; seja bem-vindo, Acadêmico Umberto Grillo.
Acadêmico Salomão Ribas Junior, Cadeira 38
Acadêmico Umberto Grillo, Cadeira 22