Dança folclóricas e roupas de cores vibrantes: marca do povo andino

Na série que abrimos para memórias dos acadêmicos, cuja estreia deu-se há poucos dias, um relato de viagem de Maria Tereza Piacentini, trazemos hoje um texto, também de viagem, desta vez da autoria de Urda Alice Klueger.

Nossos primeiros cronistas foram viajantes e fizeram fascinantes textos sobre novidades da terra recém-descoberta, que, aliás, mudou de nome várias vezes antes de consolidar-se em Brasil. Foi Terra de Vera Cruz, Terra de Santa Cruz e Pindorama, tendo prevalecido, porém, um nome inspirado no comércio da madeira aqui encontrada, o pau-brasil.

Foi tão importante este produto que na designação de nossa nacionalidade tivemos o sufixo “eiro”, indicativo de ofício ou profissão, como ferreiro, pedreiro, padeiro etc. Ainda tentamos braziliense, uma vez que o nome do país era escrito Brazil, mas apenas o primeiro jornal independente chamou-se Correio Braziliense e assim mesmo seu fundador precisou asilar-se na Inglaterra.

Boa leitura a este texto de viagem de nossa Urda, a quem, aliás, conheci, há muitos anos numa viagem literária integrando ambos uma comissão julgadora de importante prêmio nacional. Deonísio da Silva, coordenador deste portal.

 

AS DELÍCIAS DE UM PAÍS DOCE

Urda Alice Klueger (*)

Este texto foi originalmente publicado em 1996. Este detalhe é importante porque desde então houve diversas mudanças no Equador, como a dolarização da economia e a instalação da Base dos EUA em Manta.

Estou voltando de uma viagem pelo Noroeste da América do Sul, e fiquei pensando sobre o que contaria primeiro para vocês. Aconteceram mil coisas e situações, vi coisas interessantíssimas, conheci inúmeras pessoas, de maneira que fica difícil escolher o que contar primeiro, mas o coração me manda falar sobre o Equador.

Nada sabemos sobre o Equador, no Brasil. Via­jei para lá com a fotocópia de um texto que dava dados técnicos sobre esse pequeno país, tipo população, área, língua, moeda, fuso ho­rário etc., mas que nada dizia sobre a doçura que encontraria lá.

País cheio de vulcões e sujeito a terremotos (imagino que até os terremotos sejam doces por lá), o Equador é minúsculo, mas possui litoral rico (as Ilhas Galápagos fazem par­te do seu território), está sobre os Andes, e desce, do outro la­do, até à selva Amazônica, onde se situa o seu petróleo. Só co­nheci a parte andina, doce e verde parte andina, onde chove toda a tarde e tudo é de uma grande fertilidade.

A impressão que tive, é de que o Equador é um país que ainda não perdeu a ingenuidade. Vive-se, lá, à base de ilimitada confiança, de intensa alegria, de extremada simpatia. O equatoriano não pode ver uma pessoa indecisa, numa esquina, que logo se aproxima, para ver se pode ser útil, e uma primeira pes­soa puxa a segunda, e logo tem-se umas dez pessoas querendo aju­dar, dez simpáticos equatorianos cheios de riso e sem nenhuma malícia, imbuídos do mais puro sentimento de solidariedade que já vi por aí.

Andei muito de ônibus no Equador, e acho que vale contar para deixar mais claro o que estou dizendo.

Num ônibus, vai o motorista, e ao seu lado, de costas para o público, o cobrador (ou cobradora: lindas moças de meias de seda, sapatos de salto e maquilagem caprichada, como andam quase todas as equatorianas não-índias). A passagem, lá, é por quilometragem: até o ponto tal custa tantos sucres, até o outro ponto, um pouco mais caro, e assim por diante (1 dólar = 3.400 sucres). Os passageiros vão entrando, dizendo para o cobra­dor que está de costas até onde irão, entregam o dinheiro a ele, que vai empilhando notas e moedas à sua frente, e que não confere nada: não há roleta, bilhetes de controle, nada. A honestidade de toda a população faz com que tudo funcione perfeitamente, sem o menor controle. No final da linha, o cobrador entrega ao moto­rista o dinheiro recebido – o motorista o coloca no bolso sem conferir nada, e a vida continua, cheia de uma doçura que pensei que não mais existisse.

Vi pessoas pobres no Equador, mas não vi mise­ráveis, dos quais o Brasil é tão pródigo. Quando saímos de Quito, em direção ao Norte, prestei a maior atenção para ver se havia favelas nos arredores da cidade, mas não consegui ver nenhuma. Disseram-me, depois, que há favela no lado Sul – afinal, nada é absolutamente perfeito.

Sei que aquele povo simples e honesto é extremamente alegre: impressionou-me a quantidade e a qualidade do seu riso. Basta estar junta uma família, ou um grupo de amigos, para que todos estejam rindo, um riso ingênuo, sem malícia, contagiante na sua alegria pura e doce, como é doce e ingênuo aquele país!

E o artesanato do Equador, ah! o artesanato do Equador! Já andei uma porção por este mundo, mas em nenhum lugar vi artesanato mais lindo do que o do Equador! Reflexo de um povo ingênuo e feliz, o artesanato equatoriano tem uma leveza, uma pu­ra alegria nas suas cores e no seu equilíbrio estético, que tira o fôlego de fascinação. De tudo há: roupas, bordados, crochês, tapetes, quadros, espelhos, madeira – uma loucura para uma brasi­leira sem grana como eu, que gostaria de ter comprado tudo, mas que não tinha como fazê-lo, tanto pela falta de grana quanto pela falta de espaço para carregar tanta coisa linda! E tudo baratíssimo, por dez dólares compra-se lindíssimos vestidos bordados (é claro que trouxe um) – a minha mágoa foi não ter como trazer um daqueles maravilhosos espelhos decorados, que me deixavam babando de cada vez que olhava para eles.

Querido e doce Equador, se Deus quiser, um dia eu volto. Para um mês inteiro, e não apenas para quatro dias, co­mo foi dessa vez! E muito doce estar ao embalo do teu regaço!

(*) da Academia Catarinense de Letras (Cadeira n. 2), escritora, historiadora e doutora em Geografia. É autora de Verde vale e No tempo das tangerinas, seus livros referenciais. Seu livro mais recente é Nossa família aumentou.

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