Deonísio da Silva (*)
Especial para a Academia Catarinense de Letras
O resumo é simples e cativante: com a boca ainda sangrando, um menino desenha com uma caneta na fronha do travesseiro o primeiro dente de leite que perdeu e fica no aguardo de que o Pelznickel lhe traga o prometido presente. Mas tem que deixar uma moeda ali.
Sua mãe está na cozinha preparando o peru “e as outras assustadoras comidas do Natal”. Aos gritos do filho, vem ver o que houve, abraça o menino, sorri e diz: “A janelinha mais linda do Natal!”.
O lado assustador do monstro encanta as crianças há muitos séculos. Afinal, existe uma canção de ninar que ameaça as crianças: “Dorme, nenê, que a Cuca vem pegar”. Pois o Pelznickel semelha um Papai Noel monstruoso, que inclusive é capaz de, não apenas premiar, mas também castigar as crianças. De longas barbas que lhe descem até as pernas e um tridente numa das mãos, tem também outros nomes.
Na Áustria, ele se chama Krampus. E sua aparência é mais horrenda: metade cabra, metade demônio. Ele aparece no dia cinco de dezembro, véspera de São Nicolau, que está na origem da festa de Natal, e na Polônia seu nome é Grumphinckel. É festejado também na Alemanha e nos EUA. Na França, ele é o Père Fouettard, mas a aparência muda pouco: todos em comum carregam algo tipo de ramo, vara ou chicote para castigar crianças desobedientes.
Desde a Antiguidade, os eventos naturais são explicados por versões mágicas e buscam ministrar uma lição para toda a vida. E esta do Pelznickel é uma delas.
Desde menino, eu recebi de meus avós outra referência. Ao perder o dente de leite, eu deveria jogá-lo em cima do telhado e dizer: “São João, meu São João,/ Pega meu dente podre e me dá um são”.
O livro de Méroli Habitzreuter me evocou esta lembrança e a solidariedade com quem escreve neste país onde escritores têm tão poucos incentivos para livros publicados com tanta luta. (fim)
A Sociedade do Pelznickel de Guabiruba-SC criou em 2021 uma animação para contar a origem desta tradição, tão presente no Natal do município localizado no Vale do Itajaí, que preserva traços da imigração alemã. O projeto foi viabilizado por meio da lei Aldir Blanc de incentivo à cultura. Veja o vídeo no link a seguir:
(*) DEONÍSIO DA SILVA é professor, escritor e editor. Seus livros mais recentes contam a história de cada letra do alfabeto na coleção De onde vêm as palavrinhas (www.almedina.com.br ou nas livrarias).
O Krampus, na cultura alemã